sexta-feira, 18 de março de 2011

A arte de lutar

Dominar o adversário sem confrontá-lo, usar o próprio corpo como arma ou derrubar o opositor só com a força dos punhos.


Os confrontos fazem parte da história humana. Muitas vezes eles são movidos pela violência ou pelo desejo de destruir um inimigo. Mas nem sempre. Lutar também tem outros significados. As disputas corporais fazem parte de ritos tribais e demonstrações de bravura, por exemplo. Também existem como esporte, para testar os próprios limites, condicionar o corpo e elevar o espírito. A partir desta edição, você acompanha uma série, em três capítulos, sobre lutas que conquistaram o mundo. Mas, lembre-se: são técnicas que devem ser utilizadas para defesa ou para competições esportivas. E que não devem ser praticadas sem orientação profissional. Boa diversão!


Aikido
A força do inimigo a seu favor

Quem associa artes marciais a socos e chutes pode achar o aikido mais parecido com uma dança. Nas lutas, os praticantes giram pelo tatame em coreografias suaves e harmônicas, vestindo elegantes hakamas (roupa que parece uma saia). Mas o poder do aikido logo aparece: em meio à coreografia, um dos oponentes é atirado pelo ar ou imobilizado no chão. A essência dessa arte consiste em dominar o adversário sem confrontá-lo. “Quem ataca espera que o outro reaja. Sem reação, a pessoa se desequilibra com a própria força”, explica Makoto Nishida, faixa preta. O aikido é baseado em movimentos circulares que desviam a força do golpe e desequilibram o agressor. Ao realizar o giro, o aikidoka ganha estabilidade e gera as forças que desequilibram o adversário. Criado nos anos 20, no Japão, o aikido se diferenciou das artes marciais tradicionais porque eliminou a violência. “O inimigo é uma ilusão, pois todos fazemos parte da mesma natureza”, diz Nishida.

As competições foram banidas, pois o objetivo é o aperfeiçoamento do espírito e do caráter. A palavra aikido é formada pelos caracteres japoneses ai (harmonia), ki (princípio criativo universal) e do (caminho). Juntos, significam o caminho para a harmonia entre a energia de cada um e a força do Universo. Ao lado, veja alguns movimentos do repertório do aikido.


Krav Magá
Uma luta sem regras

O krav magá foi criado em Israel na década de 40, durante a guerra contra os árabes, como uma técnica de defesa pessoal e combate. Até 1987 a luta foi mantida em segredo pelas forças israelenses, e até hoje parte da técnica continua em sigilo. Em sua versão civil, o objetivo primordial é possibilitar a qualquer pessoa escapar de agressões usando apenas o próprio corpo como arma. Os golpes são curtos e explosivos, aplicados em pontos fracos como joelhos, traquéia e genitais, para derrubar o agressor com rapidez e eficácia. O improviso é incentivado.

“O aluno deve avaliar cada situação e planejar a reação de forma segura”, afirma o instrutor Avigdor Zalmon, que aparece nas fotos ao lado distribuindo pancadas. Os treinos incluem respostas a diversas agressões, como um soco, um estrangulamento, uma tentativa de estupro ou o ataque de uma gangue. O krav magá difere de outras lutas também porque não existem regras ou competições. “A verdadeira medida do nível do aluno é sua capacidade de reação no mundo real”, diz Kobi Lichtenstein, o introdutor da luta no Brasil. Mas não se esqueça: antes de usar as técnicas mostradas ao lado, é preciso muito treino sob a orientação de um instrutor. Um descuido pode ser fatal. Por isso, em último caso valem os conselhos da polícia: não reaja, não faça movimentos bruscos, avise quando for se movimentar e – sem encarar o agressor – preste atenção em suas características físicas para descrevê-lo depois.


Boxe
Das pancadas à "nobre arte"

Usar os punhos para derrubar o inimigo é um recurso básico, que existe desde os primórdios do homem e de suas desavenças. Os primeiros registros da troca de socos como uma luta formal, no entanto, remontam a 4000 a.C., na Etiópia. De lá para cá, virou esporte, modificou-se, popularizou-se e enriqueceu, embora muitos o considerem violento. Mas ele já foi mais. Em 686 a.C., nos jogos olímpicos da Grécia antiga, a luta durava até um combatente pedir água. No Império Romano, as pelejas eram disputadas por escravos e só terminavam quando um morria. O vencedor acabava desfigurado, graças a peças de ferro colocadas nas luvas. A luta era popular também na Inglaterra do século XVII, apesar de proibida. O padrão “civilizado” de hoje só veio em 1867, quando foram introduzidas regras que valorizaram a técnica e protegeram a vida do lutador. Surgiram as luvas, os rounds de três minutos com um minuto de descanso, a contagem até dez e as divisões por peso.

Bater em alguém caído – coisa antes corriqueira – foi proibido. No boxe profissional, as lutas acontecem num ringue e duram de quatro a 12 rounds. Mesmo limitado em sua violência, o boxe ainda atrai gente que quer extravasar sua agressividade. Messias Gomes, técnico do Centro Olímpico em São Paulo, costuma desencorajar quem busca o esporte com essa expectativa. “O boxe é um ambiente para atletas, não para brigadores de rua.”


Morihei Ueshiba, o mestre imbatível

Criador do aikido, Morihei Ueshiba foi ministro das Artes Marciais do Japão até o início da Segunda Guerra Mundial. Era uma das pessoas mais influentes de seu tempo. Sua fama percorreu o país não só por ter derrotado todos – exceto um – que o desafiaram, mas também por feitos que lhe atribuem, como ter derrubado dez homens com um grito. Em sua vida, praticou mais de 30 artes marciais. Mas a que mais o influenciou foi o Daito Ryu Aiki Jujutsu, a técnica do único homem que o derrotou, Sokaku Takeda. Dominado por essa luta, passou sete anos estudando-a. Outra influência foi o Omoto-Kio, religião que pregava o amor entre os seres humanos e a purificação espiritual. Ueshiba morreu em 1969 aos 86 anos, de câncer, mas detestava ser tratado como doente. Em vida, insistiu em seus princípios essenciais: a unificação de corpo e mente, a resolução pacífica de confrontos, a celebração da vida, a saúde e a proteção ao ambiente.

Para saber mais
Na internet: www.fepai.org.br


O criador: Imi Lichtenfeld

O inventor do krav magá, Imi Lichtenfeld, foi um líder militar de Israel. Aos 25 anos, já comandava um grupo de resistência antinazista na Europa e, em 1942, no Oriente Médio, entrou para a Haganah, organização militar judaica, onde foi instrutor de defesa pessoal e combate. Em 1948, com a independência de Israel, Lichtenfeld tornou-se instrutor de krav magá do Tzahal, o serviço militar do país. Mestre na arte da sobrevivência, Lichtenfeld percebeu que as lutas que conhecia – aprendeu defesa pessoal com o pai e foi campeão de boxe e luta greco-romana – não funcionavam em combate. Decidiu criar uma técnica nova: o krav magá. Lichtenfeld é visto pelos israelenses como um dos maiores responsáveis pelo sucesso das operações do exército israelense, num país em que defender a fronteira sempre foi uma questão de vida ou morte. O criador do krav magá morreu em 1998.

Para saber mais
Na internet: www.kravmaga.com.br


Poemas duros como um soco

Quem pensa que o boxeador é um sujeito tacanho, de pouco cérebro e muito muque, não conheceu Muhammad Ali. Dono de pernas ágeis, ótima esquiva e golpes velozes, Ali também feria com as palavras. Antes das lutas, fazia poemas prevendo o round em que venceria – e muitas vezes acertava. No ringue, insultava o oponente, que perdia a concentração. Menino pobre, Ali começou a treinar com 12 anos. Aos 18, foi campeão olímpico e, aos 22, ganhou o título mundial dos pesos pesados. Em 21 anos como profissional, perdeu só cinco vezes. Além de lutar, Ali adorava polêmicas. Primeiro, trocou de nome – que era Cassius Clay – ao adotar o islamismo. Depois, recusou-se a lutar no Vietnã, alegando motivos religiosos, o que lhe custou o título de campeão, recuperado depois. Por fim, foi grande defensor dos direitos civis dos negros. Fora dos ringues, Ali desenvolveu o mal de Parkinson, que muitos atribuem aos golpes recebidos por ser tão destemido e não respeitar adversário algum.

Para saber mais
Na internet: www.houseofboxing.com


Fonte: Superinteressante

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